"Se essa rua fosse minha eu mandava ladrilhar... com pedrinhas de brilhantes para meu amor passar..."
Os mais velhos não se cansam de repetir que apesar de só agora o frevo estar festejando o trajeto do seus primeiros cem anos, parece impensável haver existido um tempo em que se vivia o carnaval sem ele. Esses mais velhos, não aqueles ancestrais pioneiros cujas mãos souberam tão bem ouvir, interpretar e escrever a melodia irrequieta que vinha da própria alma, fazendo e saudando o nacimento romântico desse ritmo, invadiram os salões desde os anos trinta, e cresceram, e cantaram, e dançaram no abraço frágil e belo com a felicidade que só o carnaval era capaz de plantar, mesmo breve, pelos sons de uma canção ou da sedução de um flerte, de uma promessa do olhar. São esses homens e mulheres hoje serenizados pelo tempo que se espantam em descobrir que só agora a raiz das músicas de suas alegrias, essa raiz cujos frutos semeam cada vez menos a muitas ruas e poucos bailes do carnaval atual, alcança o seu século inaugural e mesmo assim insiste, no seu toque de eternidade, em aparentar sempre haver existido.
O que os mais velhos talvez ainda não enxerguem, ou não queiram aceitar, é que o frevo, apesar de jovem, há muito está morrendo. Pois hoje, não é por uma composição de Capiba ou de Nelson Ferreira que as agremiações carnavalescas atravessam o ano a esperar e nem tampouco por algo que se assemelhe a elas em feitiço ou arte. Os feitiços auditivos até perduram, mas agoram apelam somente pela atenção do corpo, e nunca do coração. E, como duas sentinelas irmãs e solitárias, só em Recife e Olinda o carnaval permanece inflexível em ceder, imerso nas orquestras de frevo que são a sua origem, a sua identidade e, queiram os anjos da Providência, também o seu futuro.
Que as mãos e ouvidos da juventude não se omitam ante o passado, mas sim aceitem o firme desafio de ouví-lo e dele trazer, renovado, esse ritmo para sempre devoto dos sonhos que, repetia o poeta, "o homem cultiva, como dálias ocultas, no mistério do próprio coração".
sábado, 17 de fevereiro de 2007
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